sexta-feira, 30 de outubro de 2009

A Face Oculta...


"Face Oculta" não é título de telenovela ou sequer de um "thriller"... é o nome de mais uma operação judiciária na guerra contra a corrupção, matéria que, pela frequência com que vem emergindo, merece à opinião pública, não apenas atenção mas, acima de tudo, reflexão. Antes de mais, a face oculta da "tentação" a que cedem os que ao poder acedem, denota a falta de competências pessoais para o exercício das funções a que ascendem. A negligência absoluta da noção de serviço em nome do bem-comum atesta a ausência de uma cultura cívica indissociável da inexistência de uma cultura política sustentada e a sistematicidade com que os políticos surgem associados ao crime económico é o pior dos precedentes para a garantia da continuidade democrática. A corrupção, nos estados democráticos, dissemina a valorização do autoritarismo. Perigosa politicamente para as democracias, a corrupção económica assenta numa actuação que facilita o desenvolvimento da própria economia paralela, da delinquência e de todo o tipo de criminalidade. Por isso, em sociedades organizadas com base nas relações de dependência interpessoal, as redes criminosas multiplicam a sua exponencialidade, podendo materializar-se em relações sociais como as que, em Itália, têm um rosto já não oculto mas, assumido à luz do diz. Das pequenas conivências aos favores mal-equacionados em termos de consequências, rapidamente se desenvolvem dinâmicas a que só o carácter e a cultura cívico-política interiorizada no quadro de valores dos cidadãos podem estabelecer limites de legitimidade... Sabendo-se, designadamente por analogia com o que acontece no que se refere ao grau de representatividade real dos dados estatísticos que, apenas cerca de um terço dos indicadores da realidade é, de facto, denotável pela metodologia aplicada, no caso, no que à corrupção respeita podemos imaginar a dimensão do fenómeno que, antes de mais, hipoteca a confiança das pessoas e descredibiliza ainda mais a Justiça e a Democracia.

6 comentários:

  1. Ana Paula,
    absolutamente de acordo consigo.
    No entanto temo, que mais uma vez, à revelia de um segredo de justiça, se esteja já a sacrificar na praça pública quem, ainda, nem sequer foi ouvido por um juiz de instrução criminal.
    Só o refiro por uma questão de princípio.
    Agora, se considerados culpados, talhada da grande...

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  2. Completamente de acordo, T.Mike... por isso, falo das questões em abstracto... o que considero indispensável é que os políticos deixem de, por um lado, agir e, por outro lado, de se pensarem a si próprios em termos de senso comum... porque não são ingénuos e conhecem as implicações dos contactos em que se envolvem ou deixam enredar... a transversalidade do fenómeno, a todos aos mais diversos quadrantes político-económicos e sociais torna a questão assustadora num país pequeno como o nosso... e o que mais dói é a total irresponsabilidade político e social que resulta da "feira de vaidades" individuais em que se torna o palco de poder... porque quem o pisa rapidamente esquece ser figurante e acredita ser, de facto, o personagem principal... obrigado por tudo isto pela referência à "questão de princípio"... mas, também, porque me fez sorrir, pela contundência do "se considerados culpados, talhada da grande" :)
    Grande Abraço.

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  3. Ana Paula
    Quanta razão tem no que diz. Estou convicta de que, como diz, mas em resumo, a corrupção, activa ou passiva, e o favorecimento (ou cunha) praticamente socialmente aceites, a par com uma justiça que não funciona, são os grandes motivos do atraso deste país. E de muitos outros, infelizmente.
    Por cá, é o alarido do costume, mas resultados...
    Parabéns pelo texto.
    Um abraço

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  4. Além do excelente texto da Ana Paula sobre a corrupção em geral numa democracia, gostei também muito do contributo do Miguel (T.Mike).
    Um abraço.
    Josefa

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  5. Benjamina,
    Concordo com a sua afirmação sobre "os grandes motivos do atraso deste país"... aliás, estive para o escrever mas, pensei que o texto iria ficar muito grande. A verdade é que, como deixa antever nessa afirmação, estes procedimentos em contextos de interdepedências relacionais condiciona e bloqueia o próprio funcionamento da justiça, bem como a prática da cultura do mérito, entre outras formas de agir que seriam de esperar em contextos democráticos.
    Obrigado pelas suas palavras :)
    Um abraço.

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  6. Obrigado, Maria Josefa... pelo regista a propósito deste texto e do contributo do Miguel (T.Mike) :)
    Um abraço.

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