sábado, 21 de novembro de 2009

Teatro Mário Barradas... em Évora


Morreu Mário Barradas. Acabei de o saber... e, para além de pensar que o Teatro Garcia de Resende deveria passar a chamar-se: Teatro Mário Barradas, assinalo este momento com a evocação de uma pequena e insignificante história suscitada pelo luto... porque o luto dos amigos, em nós, evoca o seu melhor... De facto, não deixa de me ocorrer a imagem de um encontro que com ele tive, sob os arcos que vão do Largo Luís de Camões para o Garcia, lá, em Évora, quando a cidade era a capital da cultura e o povo a vivia de peito aberto, na rua... Eu tinha 16 anos e encontrara-o em boa hora porque me pairava na cabeça o projecto de abraçar as artes que o Centro Cultural de Évora em mim despertara... disse-lhe!... ele, demorou um pouco para retorquir e perguntou-me: "Estás a acabar o Liceu, não é? Mas pensaste ir para a Universidade... diz lá que curso querias fazer" e eu, um pouco desiludida por pensar que ele ia ficar entusiasmado por haver jovens que acompanhavam o trabalho cultural que a Companhia levara, depois do 25 de Abril, ao coração do Alentejo, respondi: "Filosofia..."... o Mário parou, olhou para mim e disse: "Vai para a Faculdade... tira Filosofia"... eu tentei ripostar: "mas... posso fazer as duas coisas até porque o teatro pode articular-se com o estudo e a leitura"... ele voltou a parar e, em frente da Violeta (a pastelaria, claro), disse-me, muito sério: "És muito nova... vai primeiro fazer Filosofia... depois, se ainda quiseres vir, vem"... Acompanhei o trabalho de Mário Barradas e do grupo de actores que criou, do Centro Cultural de Évora ao Cendrev e à Companhia... devo à sua arte e à sua forma de estar na vida, uma parte do que sou. Por isso, hoje, sinto que todos perdemos um Amigo e um Mestre... mas se sinto que a minha vida ganhou muito por habitar o espaço que ele escolheu para trabalhar, imagino a perda dos meus amigos que, com ele, partilharam uma vida inteira de quotidianos, mágoas, alegrias e trabalho... conforta-me saber que a herança que o Mário Barradas deixou a este país tem na Ana Meira, no Alvaro Corte-Real, na Isabel Bilou, na Rosário Gonzaga, no Rui Nuno, no Vitor Zambujo, no Zé Russo e em tantos outros (de que não posso deixar de destacar o Fernando Mora Ramos), a garantia de continuidade de que as novas gerações já dão sinal. Um grande, grande abraço a todos... por todos nós, os que aprendemos a construção do ser também convosco!... dele deixo a fotografia (na companhia de J.Benite) e um texto que pode ser lido AQUI.

4 comentários:

  1. Um grande nome do teatro português, que não vive apenas dos teatros nacionais, e que na sua vertente mais genuína é tão pouco apoiado e acarinhado. Obrigado, Ana Paula, por partilhar a sua história.

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  2. Logo após o 25 de Abril, e a descentralização do teatro e a consequente criação do Centro Cultural de Évora, da qual faziam parte um leque incrível de actores como o Paços, a Teresa e o Mário entre outros, eu uma criança de 8 anos fui levada ao teatro pela minha professora de teatro D. Arlete.
    A primeira peça da Companhia de Teatro Profissional de Évora, era um luxo para mim, para os meus colegas e para a cidade.
    Entrei nesse dia pela primeira vez no teatro Garcia de Resende, então muito mal tratado e a necessitar de muitas obras. A peça penso que o “28 de Setembro” era forte, tinha muito texto e perdoem-me os actores não me lembro de quase nada mas a figura daquele homem imenso, de voz rouca e grossa, com gestos forte e precisos, ficou na minha memoria até hoje.
    Posso ainda agora fechar os olhos e vê-lo no palco a representar para um bando de miúdos, como se fossem o publico mais entendido do mundo.
    Esta foi a minha primeira imagem de Mário Barradas, depois outras se seguiram no palco ou um pouco por toda a cidade, mas esta sempre se sobrepôs.
    Talvez por isso eu me tenha apaixonado por esta nobre arte, talvez por isso eu tenha ido para a biblioteca pública ler outras peças de teatro, talvez por isso eu tenha enveredado pelo mundo das artes em geral.
    E talvez por isso defenda hoje que a arte não necessita de ser simples ou primaria para que o publico a entenda, tem sim de ser honesta e clara.
    Ao Mário devo isto como pessoa, já como eborense devo-lhe, eu e todos nós, muito mais, mas essa divida ficará por pagar, quem sabe um dia!

    Nota: Permite-me descordar de ti, não mudem o nome do Teatro que o garcia também nos marcou no seu tempo, façam outro que esta era também uma reivindicação do Mario, e ele mais do que todos nós merecia-a.

    Nota: Permite-me discordar de ti, não mudem o nome do Teatro que o Garcia também nos marcou no seu tempo, façam outro que esta era também uma reivindicação do Mário, e ele mais do que todos nós merecia-a.
    Lurdes

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  3. Sim, Rui... de facto, temos a lamentar, no nosso país, uma certa incapacidade de avaliar e apreciar a genuinidade da arte e da cultura... Mário Barradas foi o exemplo claro da contra-corrente... Um grande abraço :)

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  4. Lurdes,
    Obrigado pelo teu excelente, sentido e verdadeiro comentário que se constitui como um claro e sintomático exemplo do que um Homem pode fazer pela Cultura, pela Arte, pela Cidade e pelas Pessoas... quanto à tua discordância, deixa que te diga, minha amiga, que a não considero uma discordância porque o que importa é que a Cidade reconheça publicamente o trabalho, a vida e a obra de quem se lhe dedicou de corpo e alma, num esforço produtivo a que, talvez só nós os que o vivemos e a História, poderão fazer justiça... por mim, Lurdes, o Garcia pode continuar a ser o Garcia mas é justo e honroso que tenhamos um Teatro ou um Cine-Teatro que honre a figura e o trabalho de Mário Barradas... por exemplo, o futuro Cine-Teatro onde a Companhia deverá instalar-se quando as obras (de Santa Engrácia?!) finalmente forem feitas... porque há muito mais cultura para além das Arenas e a população merece... a herança e o futuro. Obrigado pela tua pertinente sugestão. Um beijinho :)

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