terça-feira, 27 de abril de 2010

Urgências (3) - Profissionais nas Urgências e Dignidade do SNS



Apesar da precariedade laboral que também atinge os profissionais de saúde e da múltipla factorialidade do seu enquadramento (privatização dos serviços de saúde, desinvestimento no SNS, redução de custos com pessoal com total liberalização das suas relações contratuais e a sua consequente mobilidade), o problema das urgências hospitalares coloca-se de um outro modo que é preciso não escamotear e que, de igual modo, afecta decisivamente a qualidade dos serviços de saúde portugueses! Refiro-me designadamente ao elevadissimo número de médicos que solicitaram e ansiosamente aguardam pela reforma antecipada, cansados e esgotados da falta de qualidade das suas condições de trabalho... porque, por um lado, é inadmissível que profissionais de qualidade, formados no contexto de um dos melhores Sistemas Nacionais de Saúde, com uma experiência médica que nunca deveria ter deixado de integrar o percurso médico (a saber, o "trabalho de terreno" proporcionado pela prática médica à periferia nos termos holísticos em que foi praticada nos primeiros tempos do SNS) sejam compelidos a aderir à reforma antecipada, criada com o objectivo de reforçar a liberalização dos serviços no sector; por outro lado, porque a lógica dos médicos de família continua ineficaz de tal modo que, daqui a pouco tempo, se forem realizados estudos rigorosos sobre o impacto social dos serviços de saúde verificar-se-ão retrocessos sérios na efectiva igualdade de acesso à qualidade dos serviços e na qualidade de vida das pessoas. Finalmente, este desinvestimento no SNS e esta liberalização de serviços reforça o erro estrutural das políticas de combate ao desemprego e de criação de emprego por se aproximar da lógica da precariedade a um ponto tal que lembra, como referi no post anterior, a política dos call-centers e, mais grave ainda!, desresponsabiliza os médicos da prática dos seus actos (um dos efeitos da contratualização das administrações hospitalares através de empresas, cujos recursos humanos prestam serviços sem sequer poderem emitir receitas médicas assinadas/validadas com o seu próprio nome e consequente identificação da respectiva cédula profissional)... Contudo, decerto por necessidade mas, sem dúvida, muito louvável, foi a decisão de, nos Serviços de Urgência dos Hospitais de Santa Maria, São José e Curry Cabral serem contratados médicos com grande experiência profissional e perfil adequado aos serviços para integrar equipas permanentes de atendimento que, nos termos do Protocolo de Manchester (triagem por gravidade dos casos), possam responder às necessidades dos cidadãos que recorrem justamente a estes serviços, aflitos e doentes sem que, necessariamente, sejam casos - pelo menos, no imediato! - considerados prioritários, ou seja, "entre a vida e a morte"!

3 comentários:

  1. Pois é, mas na minha ignorãncia parece-me, repito, parece -me que os srs drs e respectica Ordem não estarão de todos alheios. fizeram, durante anos pressão no sentido de mantrem os antigos privilégios- basta ver de que modo tentam ,penso eu, ou tentaram vedar o ensino da Medicina. acrescente-se o tal desinvestimento de que falas e deu no que deu

    ResponderEliminar
  2. Eu não ia comentar "nada" não só porque a fluxo da sua análise é de excelência, mas também, porque resumo o meu pensamento numa simples assunção: Portugal não vive sem SNS… De qualquer modo, aproveito para "publicitar" a leitura: Simões, J. (2010). 30 Anos do Serviço Nacional de Saúde - Um Percurso Comentado. Coimbra: Almedina.
    Quanto ao "desinvestimento no SNS e esta liberalização de serviços" a situação problemática é, também, devido às parcerias público privadas... É que, por ironia do destino, o pensamento central das PPP circula em torno do conceito "Value for Money" – Ora, aí está a verdadeira preocupação… SNS: "entre a vida e a morte" – Assim vai Portugal!
    Beijinho

    ResponderEliminar
  3. Tudo correcto. talvez falte apenas referir alguns Srs Drs e respectiva ordem que tão sabiamente conseguiram zelar e bem por seus interesses, basta olhar para as médias de entrada em Medicina, a quase, acho, proibição de abertura de novos cursos.
    Agora quem anda nas bolandas somos nós e os médicos mais jovens-parece-me

    ResponderEliminar